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Dance, simplesmente dance!

Tatiana Zylberberg

Você quer dançar? Você sabe dançar? Você gosta de dançar? Você se permite dançar?


Em algum instante da tua vida você poderá ouvir estas perguntas: de alguém numa festa, no início de uma aula ou, numa situação qualquer. O que responderia?


Você se lança em qualquer tempo e espaço e se entrega ao incontrolável impulso de mover-se das mais diferentes formas? Você dança? Você quer, mas acha que não deve ou não pode? Ou você pode, mas insiste em dizer que não quer? Adia dizer: “sim, eu sei dançar”.


Muitas pessoas carregam sentimentos de opressão quando o convite é dançar. Seja pela “estranha não-ligeireza” para se apropriar de alguns movimentos, pelas questões de gênero, idade, contexto cultural e/ou por questões de âmbito religioso. Quanto desperdício a lamentar…


Dançar é experimentar uma vivacidade rara e intensa. Seja numa sala escura, num canto com pouco espaço, num palco grande, na areia da praia, no meio do trânsito, sozinha ou cercada de gente estranha. Dançar porque estamos amando, porque nos sentimos felizes. Dançar descalço no asfalto quente, dançar sem cogitar parar em instante algum.


A dança esteve na minha vida em muitas ocasiões. Veio em forma de ballet, jazz, sapateado, dança de salão, dança do ventre e hip hop.


As fotos no início deste texto são de uma apresentação no Teatro Gazeta-SP. Naquela época eu morava metade da semana em São Paulo e a outra em Campinas. Na capital paulistana, às terças-feiras eu fazia aula na “Casa da Dança – Tati Sanchis” (www.casadadanca.com.br), filmava a coreografia e, quando estava em Campinas, treinava sozinha na frente do computador. Estar no palco, mais de uma vez, com toda aquela gente… foi emocionante!


Estes registros felizes são anteriores às minhas piores crises de endometriose e às duas cirurgias que vieram depois, intervaladas por indução de menopausa e tempos obrigatórios de repouso.


Nesses anos de doença intensa, a dança me escapou. Não apenas dos jeitos mais estruturados de dançar, falo de uma condição simples para dançar: eu simplesmente não aguentava qualquer movimento. Não era questão de um necessário condicionamento “físico”, era tanta dor que me vi sequestrada do direito de qualquer movimento intencional mais arriscado. Um corpo tomado pela dor intensa e sem pausa, como aquelas decorrentes de doenças crônicas como endometriose e fibromialgia, podem fazer com que você se veja impedida de dançar ou praticar qualquer outra atividade corporal. Tudo se torna difícil. Seja algo como tocar os pés no chão com mais força ou um giro de tronco.


Eu queria viver sem que aquelas dores dominassem a minha possibilidade de qualquer movimento. Eu queria dançar outra vez. Foi uma longa e exaustiva jornada. Este ano posso dizer que enfim eu consegui silenciar as dores e voltei a sentir uma nova vivacidade. Eu celebrei a chance de recomeçar. Posso lançar-me ao chão ou no ar. Mostrou-se necessário reaprender alguns movimentos. Tive que (re)conhecer o meu corpo, num permanente convite a tentar-e-tentar. Nem tudo (ainda) é tão fluido quanto antes e alguns gestos já não estão tão amplos, mas eu estou dançando.


Nos momentos das mais difíceis das crises de dor aguda, na época que eu tinha dor para tudo o tempo todo, eu me lembrava da sensação intensa de liberdade que tomava meu corpo por completo enquanto eu dançava. Às vezes acho que a dança que eu tinha vivido contribua para eu manter a lucidez, ajudava-me a acreditar que, se lutasse muito, se desbravasse outros recursos para viver sem dor, eu poderia dançar outra vez.


Este tempo chegou! Simplesmente eu posso dançar outra vez, e uma vez mais.


Tatiana Passos Zylberberg

 
 
 

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